terça-feira, 28 de abril de 2015

antidialogal

Tania en el pueblo de maravillas
O diálogo é um exercício da liberdade em uma democracia plena, como diria o educador brasileiro Paulo Freire. Diálogo implica encontrar uma voz, admitir a criticidade do enunciado e dispor-se a escuta atenta do outro em seus argumentos. O contrário seria o “mutismo”, herança colonial que possibilitaria o que ele chamou de “inexperiência democrática” do povo brasileiro.
Penso que podemos estender essa observação sobre a sociedade brasileira às relações que desenvolvemos nos diversos ambientes que hospedam a nossa vivência cristã. Dialogar não é exercício de execração pública do divergente, pensamento ou pessoa. Dialogar é sinal de maturidade cristã. Era por meio de conversas que o Cristo ensinava e reconhecia seu próprio caminho sob a direção de Deus. Não creio que devamos subestimar essa estratégia de crescimento pessoal e coletivo. E, por conta disso, seria útil avaliar criticamente se os rótulos dados aos que possuem algo a dizer são realmente merecidos.
Como batista tradicional, pertenço a um coletivo que se ufana dos princípios batistas cujo chão teológico é a liberdade. Liberdade de escolher sob a direção de Deus nosso caminho; liberdade para experimentar uma relação íntima com Deus mediada apenas por Jesus Cristo; liberdade para exercer a cidadania cristã e social sob o crivo de Jesus; liberdade para congregar com irmãos/ãs que vivem igualmente livres; liberdade para ter voz e usufruir da Fé, assim como da Razão. 
No entanto, aquilo que os batistas são hoje deve ser tributado a uma herança cultural, histórica e teológica que produziu ao longo dos séculos nossa apropriação do mundo. Nossas tradições foram construídas com Bíblia, sim, - nossa hermenêutica- mas com a História. Acompanhamos os séculos se transformarem, e o diálogo nem sempre explícito entre as mentalidades do "mundo" e da religião.  Tomar consciência dos processos seculares que nos trouxeram até onde estamos enriquece a nossa compreensão da liberdade  e denunciam quando ela nos falta.
Teólogos/pastores como Paulo, Agostinho e Lutero, por exemplo, reconheciam suas tradições, porém foram observadores atentos do seu tempo e das necessidades cotidianas das pessoas. Esses grandes homens, não necessariamente santos, leram suas realidades pastorais à luz da Palavra e do seu próprio cronos. Revisitar a Tradição é tarefa constante do teólogo/a/pastor/a, já que é impossível ser pastor/a sem fazer esse movimento dialogal entre a Palavra e a história e entre a Palavra e as necessidades objetivas das pessoas de nossa comunidade de fé que vivem na sociedade brasileira tal qual ela está hoje. Podemos fazer isso consciente ou inconscientemente, com lentes míopes ou potentes, de coração humilde ou arrogante, de forma crítica ou acrítica, a serviço dos outros ou de nós mesmos.
O recente debate sobre a decisão da Ordem do Espírito Santo de não aceitar a filiação de pastoras no estado, pode ser bem elucidativo do quanto estamos experientes ou inexperientes no diálogo que caracteriza a democracia em sua plenitude. O que aconteceu na assembleia, segundo a narrativa dos irmãos presentes, foi democrático. E eu concordo. A decisão da assembleia nacional que delegou as secções a discussão e votação sobre a filiação de pastoras provocou o cenário em que vivemos e que, em última instância, é democrático, mesmo que não seja, em primeira instância, dialogal.
O cenário é positivo na medida em que a instituição OPBB deseja se alinhar às decisões e vivências das igrejas que já experimentam a realidade do ministério pastoral exercido por mulheres. Se nossas instituições são servas da Igreja, então, a decisão nacional e as decisões estaduais favoráveis cumprem bem esse alinhamento. E as que não, mesmo que de forma não unânime, mesmo que em suas paróquias possuam pastoras, vivem a democracia Batista. E, obviamente, evidenciam nossa diversidade. E liberdade.
Ora, o lugar da OPBB na legitimação do ministério pastoral é acessório. Essa, inclusive, é nossa tradição no tratamento das vocações pastorais. Quem legitima, ratifica e realiza o trânsito do ministério pastoral batista, seja de homens ou mulheres, é a igreja. Talvez pudéssemos informar e educar nossas comunidades no espírito dos primeiros pais e mães no que diz respeito a tradição vocacional e a consagração ao ministério pastoral entre nós. Mesmo hoje não existem ministérios pastorais que não tenham passado em algum momento pelo crivo da igreja, mesmo tendo seus vocacionados curso teológico, carteira da Ordem e indicação firme de amigos. Tanto é verdade que o número de pastores batistas é superior ao número de filiados. 
É claro que a filiação à OPBB torna os processos de ordenação feminina mais tranquilos, mas não mais legítimos. Daí não haver necessidade da criação de uma Ordem de Pastoras, pois a legitimidade vocacional é anterior a filiação. E, afinal, porque já temos uma organização de Pastores que, até onde sei, não é um sindicato, mas é, em tese, um agrupamento fraterno. Seus filiados devem continuar lutando para sê-lo. As pastoras desejarem fazer parte desse agrupamento é legítimo, já que ele é uma tradição e busca a fraternidade dos pares. Não deve causar nenhum estranhamento aos colegas esse desejo, embora cause. Por fim, o que estamos assistindo nacionalmente é o ajustamento gradual de uma realidade eclesial batista. Não a sua unanimidade. 
Onde a filiação acontecer, a fraternidade será plena, pois a honra dos ministérios pastorais femininos ou masculinos é de Deus e não da Tradição, do ponto de vista paulino. A honra das vocações pastorais nas mulheres deve ser dada a Deus e não a pessoas, tradições ou, como pensam alguns poucos, a Satanás. No entanto, como já disse em outro momento, a realização da vontade de Deus acontece com a cooperação ou assentimento da vontade humana e tanto a Palavra, quanto a nossa própria vida dá exemplos fartos. O fato de parecer novo não quer dizer que não é vontade divina, pois nem sempre fazemos aquilo que Deus deseja de nós. O que é novo em termos históricos pode ser eterno no escopo da vontade divina.
A pergunta realizada na lista de pastores batistas sobre quem abrigará as pastoras é oportuna para o termômetro da nossa capacidade dialogal. A resposta é hierárquica, mas consumada: 1.as igrejas Batista, 2. As instituições denominacionais como um todo; 3. A Ordem dos Pastores em suas secções favoráveis, por enquanto.
Tem sido um caminho árduo, mas estamos caminhando mais rápido do que imaginei há quase 16 anos. Ainda não é o cenário possível. Ainda precisamos ganhar experiência no diálogo. Ainda devemos considerar com atenção crítica nossa liberdade.  Ainda devemos nos movimentar em direção à fraternidade possível. Ainda precisamos tomar consciência das influências culturais e históricas dos nossos discursos e escolher, pela via da liberdade e do diálogo, aquilo que promove a vida e os encontros. Seria bom para todos!


diálogo no museu da justiça