terça-feira, 20 de agosto de 2024

Uma mulher pergunta

uma mulher pergunta

há tardes e pequenos espaços 
 de tempo 
 em que uma mulher pergunta 
 de que adianta 

 se as mãos dos homens dirigem o metrô 
e os ônibus os carros blindados
 as motos que serpenteiam 
 entre corredores breves 

 se as mãos dos homens 
 assinam os papéis e carimbam 
 autorizam o prontuário 
 a entrada e a saída do corpo
 o reconhecimento dos órgãos 
 doados 

 se as mãos dos homens 
 orquestram as violências 
 balas esporros olhares 
 e tocam seus instrumentos
 fálicos curtos enrugados 
 colocados para o lado 

 se os homens e suas mãos 
 discam os números 
 estabelecem os valores
 fazem listas de nomes de outros homens 
 e se as mãos dos homens alcançam todas as coisas 
 que quebram ou selam acordos 
 e apertam botões que começam guerras internas 
 por muitas e muitas gerações 

 há um dia em que a mulher pergunta a si mesma 
 pergunta para outra mulher 
 e as perguntas pairam 
 flutuam sobre a cabeça 
 as perguntas incomodam 
 e vazam como excremento de aves 
de árvores de céu 

 nesse dia a mulher procura a resposta 
 por que de que adianta
 se há mãos que fazem dançar as cordas 
 e os pequenos membros do corpo 
vivem em sacolejo 
 o ventre morre em liminares gestações 
que formam mãos de homens 
 e a partir do ventre as mãos nutridas pela mulher 
 saem na direção do mundo
 de tudo que é externo 
 de tudo que é global 
 antropológico fágico e social 

 e a mulher nesse dia pergunta 
 para outra mulher
 para o espelho 


 de que isso tudo adianta 


(Jarid Arraes)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

por que as mulheres evangélicas compartilham o mal?

 

Foto da BBC News Brasil

Você já sabe há tempos que nossas ações ou inações têm consequências. Nem sempre estas consequências são facilmente verificáveis, ou porque reverberam longe de nós ou porque são muito simbólicas, subjetivas, e, portanto, difíceis de medir. O prejuízo individual e coletivo que as famosas notícias falsas produz no Brasil hoje, em particular, é criminoso e incalculável.

No último Censo de 2010, os evangélicos representavam 22, 2% da população brasileira e já se passaram uma década de crescimento desde então. Logo, o comportamento dos evangélicos interfere, sim, na sociedade, já que representa mais ou menos mais de 50 milhões de pessoas.

 O novo milênio apresentou para nós o universo digital e suas facilidades de propagação de conteúdos. Rapidamente as igrejas se apropriaram deste novo modo de operar as relações e comunicação. Surgiram uma infinidade de grupos, sobretudo via whatsapp, com intuito de dinamizar o cotidiano das interações entre os membros de comunidades de fé e entre as comunidades de fé e agremiações periféricas à igreja, como organização de mulheres, homens, diáconos, jovens, adolescentes, etc.

Como alguém que também utiliza e participa de grupos como estes no ambiente evangélico, e de mulheres, posso afirmar que, infelizmente, há dois ruídos problemáticos e potencializados no seu poder maléfico sendo compartilhado à exaustão (mensagem encaminhada com frequência).

São eles: as fake news e a narrativa ideológica do inimigo comunista, de muitos braços, que produzirá o apocalipse. O segundo, geralmente surge com mais força em anos eleitorais, mobilizando temores produzidos  nos países capitalistas desde a revolução russa de 1917. No Brasil, a narrativa anticomunista que mobiliza os medos da família das classes trabalhadoras que não possuem propriedade e nem são donas dos meios de produção aparece desde o fascismo brasileiro da década de 30, passando pela influência norte americana na década de 60 e chegando ao atual momento do poder da ultradireita no território nacional. 

Neste percurso narrativo, a igreja tem muita participação também como massa de manobra (desculpe se a expressão ofender alguém).

Já as fake news disparadas em todas as áreas da vida cotidiana são preparadas intencionalmente para confundir, iludir, manipular emoções e decisões do cidadão. Nada de bom deriva das fake news. 

Infelizmente, como também aponta o Censo, as mulheres representam 58% dos evangélicos e gastamos muito tempo nas redes e, especialmente, no whatsapp. A quantidade de fake news veiculada nos grupos evangélicos de mulheres produz um estrago monumental. 

Recentemente, a jornalista Magali Cunha escreveu um artigo para a Revista Ultimato relatando um resultado de pesquisa nesta área. Sugiro a leitura https://www.ultimato.com.br/conteudo/pesquisas-comprovam-que-evangelicos-se-rendem-as-fake-news-ha-grupos-de-igrejas-dispostos-a-enfrentar-este-quadro

Este será um ano muito difícil, de grandes disputas narrativas feitas também por nós, mulheres evangélicas. A começar pela incompreensão histórica dos fatos atuais, o fechamento radical para o diálogo com o contraditório, e a deriva de uma fé levada pelos temores construídos narrativamente em suas formações, 2022 exigirá de nós mulheres, seriedade na avaliação do que chega até nós e cuidado no que compartilhamos, sempre se perguntando além da veracidade, a quem serve aquele determinado post, ao bem ou ao mal?

pesquisa do Nute da UFRJ com evangélicos; https://drive.google.com/file/d/1xl-5aqKfXmYeSPctboBoNqFzj_21yRHO/view?fbclid=IwAR144ps6MzulvijkbvMgtzL915Tyl48WOszT1vdLML_OnjfvUC2C0BU97hw

Uma mulher pergunta

uma mulher pergunta há tardes e pequenos espaços   de tempo   em que uma mulher pergunta   de que adianta   se as mãos dos homens dirigem ...