quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Diário do 1º CONGRESSO BRASILEIRO DE PASTORAS E VOCACIONADAS BATISTAS DA CBB


DIA 20

Tarde. Muito calor.
As mulheres foram chegando sorridentes como já se conhecessem há muito tempo. E não é que nos conhecemos virtualmente? Abraços apertados, muito apertados. Demorados até. Uma saudade nem sequer suspeitada que tínhamos, tal Maria e Izabel. A emoção anunciando que seria nossa companheira durante o tempo que estivéssemos juntas.

Noite
A vocação pastoral é para ser cumprida, completada! Atos 20, 24

Deus tem seus mistérios. Essa é a dimensão mística da qual não abrimos mão. De fato, não estamos comprometidas com nenhuma instância humana a priore. Antes de tudo e qualquer coisa, temos convicção de que foi para Deus, em seu mistério e Graça, a quem dissemos SIM.


Pra. Damares Silva, RJ

DIA 21

Manhã
Pra. Aristina, MT

Já que temos de suportar, podemos suportar ! Fp 4, 9-13

É preciso entender que não há espaço para visões triunfalistas de ministério. Há muitos adversários espirituais e humanos, declarados ou dissimulados. Não podemos ser nosso próprio inimigo. Não podemos deixar ninguém nos desestruturar.

Novos modelos exigem tempo para se estabelecer !

Os paradigmas são limites construídos a partir de verdades consideradas absolutas. Quando estão no ambiente religioso são ainda mais complexos. Mas nem por isso eles são inquebráveis. Ei-nos aqui para provar que não é bem assim quando sabemos que podemos fazer algo. Não querer enxergar o paradigma é alienação.

Pra. Andrea Carins, ES
Noite

É preciso discernimento em tempos de paz!  2 Crônicas 14, 1-14 

Pr Éber Silva pregou nesse texto na noite do dia 21. Enquanto ele pregava, de forma carinhosa para com as pastoras, insistiu no tempo de paz e para que continuássemos a desenvolver o ministério pastoral com foco em Jesus e nas almas, como há tempos fazemos. Mas o Espírito soprou também essa palavra no mesmo texto:  
As crônicas de Israel estão manchadas com sangue.
Não há como esconder esse fato, pois apesar dos livramentos do Senhor Javé, povos sofriam, pais e mães perdiam filhos e filhas, bens e propriedades. As sociedades antigas não eram justas, nem harmoniosas, mas no meio delas havia os filhos e filhas de Abraão que receberam do Senhor uma promessa e que, para alcançá-la, sujeitaram-se a todos os tipos de conflitos, internos e externos, de povos mais poderosos e menos poderosos, lutando sempre.
Aqui não é lugar de descanso, por mais que sonhemos com ele é a dura lição que ecoou na caminhada hebreia até o livro de Hebreus. 

O rei Asa fez aquilo que se esperava dele, baniu a idolatria e restaurou a fidelidade a Javé. Havia paz sob seu reinado. Fazer a nossa parte é importante, mas não garante a adesão de todos. Em tempo de paz é comum esquecermos que aqui não é lugar de descanso. Em tempos de paz, queremos apenas festejar e ver a vida seguir em frente como se nenhum inimigo estivesse à espreita- de dentro ou de fora. Em tempos de paz, dormimos melhor. 
Asa poderia seguir esse caminho, mas curiosamente o texto afirma que foi em tempos de paz que Asa reconstruiu as cidades fortificadas, cercou-a de muros, protegeu-a. 
O rei confiava em Javé, mas sabia que precisava fazer a sua parte, porque aqui ainda não é lugar de descanso, apesar da paz desfrutada pela bênção do próprio Deus. 
Esse tempo de paz entre nós - uma paz pontual , dada por Deus, celebrada por quem a vive, não impede que reconstruamos as fortalezas para a próxima mudança de cenário. É preciso astúcia, discernimento em cada momento. 
Pra. Zenilda Cintra, DF  e Pr. Eber Silva, RJ
Pra. Dagnailda, RJ,  celebrando a Ceia do Senhor

Pastoras presentes e pastores

DIA 22

Dia do Senhor, manhã de domingo


Senti que não estava enganada quanto à companhia da emoção. Errei apenas ao supor que seria só minha, na intensidade que estava sentindo. Não era. Nós sabíamos que não estávamos mais sós. Que uma irmandade real se consumava alí. Por isso, os muitos choros lá, e ainda agora. E penso que será assim, sempre que nos lembrarmos de nós: nossa coragem, nosso testemunho, nossas convicções e o quanto sofremos por amor a Jesus e pela igreja que Ele nos deu para cuidar em seu nome.
É só o começo! 



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

migalhas da mesa


O tempo coloca em outra perspectiva aquilo que vivemos. As emoções, os sentimentos mais profundos, as decisões, a execução diária de nossa jornada. Nosso olhar amadurece com o devido distanciamento do vivido. Ficamos mais tolerantes, na maioria das vezes; ou mais impiedosos, caso acreditemos que a balança da vida não tenha sido favorável para nós. Em qualquer situação, no entanto, o tempo funciona como “fiel” da existência.
Na vida cristã, o tempo precisaria ser um instrumento de amadurecimento da nossa compreensão da vida, a nossa e a dos outros. Espera-se sabedoria a partir dos anos de convivência com Jesus em nossas mentes e corações. Espera-se que de aurora em aurora, estejamos mais parecidos com Ele e menos parecido com tudo que signifique um anticristo. Sobretudo porque é mais difícil humanizar-se do que des-humanizar-se.
No texto de Mateus 11,25-30, há uma narrativa contundente sobre expectativas de vida. “Naquele tempo, Jesus disse...” o contexto histórico de Jesus foi o lugar de onde ele próprio via o mundo, as relações humanas – amorosas, políticas, sociais, religiosas – e a espiritualidade com o Pai. O tempo de Jesus não era melhor, nem pior, apenas diferente. Diferentes nomes e personagens, diferentes tecnologias e modos de estar no mundo, mas uma mesma natureza humana. Daí a possibilidade de uma ponte temporal entre a vida e a Palavra.
Como Mestre e portador de uma mensagem divina, Jesus deveria ter esperado que os religiosos de seu tempo o entendessem mais claramente e o ajudassem na proclamação de suas ideias. Quanto tempo ele levou para enxergar que não haveria compreensão dos religiosos e co-cidadãos? Quanto tempo ele levou para entender que a novidade e a simplicidade são temidas antes mesmo de serem vistas? Quanto tempo ele levou para aceitar que não haveria diálogo possível e precisava encontrar outros?
O texto inicia com essa constatação, de certa forma inacreditável e inesperada dentro de uma lógica religiosa, a gratidão por compreender que os sábios e inteligentes não captam o espírito da revelação de Deus, em Jesus de Nazaré, mas os pequeninos do mundo, sim. É do agrado de Deus que os pequeninos entendam e compartilhem a revelação dada por Jesus a eles. É do agrado de Deus que os simples, pobres, os alijados sociais de cada tempo, os que não são considerados sábios, os que ainda não foram contaminados pelo legalismo das religiões ou dele se libertaram, entendam a mensagem e a espalhe.
A mensagem não é pesada, embora tenha sua radicalidade. Ela é, parece, substitutiva do fardo cultural/religioso/social pelo fardo leve de Jesus e, por isso, revolucionária. A mensagem é curativa, pois retira o cansaço, tornando a vida leve,. Logo, ela é transformadora.  
No cenário atual, a fala de Jesus ainda faz sentido. Há de ser grato por ser considerado pequenino. E não o inverso disso. Há de ser grato pela capacidade de identificar tanto os sábios quanto os pequeninos desse tempo. E caso não tenhamos esse discernimento, talvez devêssemos pedí-lo. Pois parece que carecemos de coragem para nos alinhar na categoria dos simples desse mundo e nos manter lá, como opção diária e desafiadora.
Na cena evangélica brasileira, infelizmente, há uma necessidade cristã de se ter clareza se não estamos acompanhando os sábios e inteligentes colocados em seu devido lugar por Jesus de Nazaré, já que no fundo, no fundo, não sabem realmente aquilo que um Deus manso e humilde está falando e fazendo. 

terça-feira, 28 de abril de 2015

antidialogal

Tania en el pueblo de maravillas
O diálogo é um exercício da liberdade em uma democracia plena, como diria o educador brasileiro Paulo Freire. Diálogo implica encontrar uma voz, admitir a criticidade do enunciado e dispor-se a escuta atenta do outro em seus argumentos. O contrário seria o “mutismo”, herança colonial que possibilitaria o que ele chamou de “inexperiência democrática” do povo brasileiro.
Penso que podemos estender essa observação sobre a sociedade brasileira às relações que desenvolvemos nos diversos ambientes que hospedam a nossa vivência cristã. Dialogar não é exercício de execração pública do divergente, pensamento ou pessoa. Dialogar é sinal de maturidade cristã. Era por meio de conversas que o Cristo ensinava e reconhecia seu próprio caminho sob a direção de Deus. Não creio que devamos subestimar essa estratégia de crescimento pessoal e coletivo. E, por conta disso, seria útil avaliar criticamente se os rótulos dados aos que possuem algo a dizer são realmente merecidos.
Como batista tradicional, pertenço a um coletivo que se ufana dos princípios batistas cujo chão teológico é a liberdade. Liberdade de escolher sob a direção de Deus nosso caminho; liberdade para experimentar uma relação íntima com Deus mediada apenas por Jesus Cristo; liberdade para exercer a cidadania cristã e social sob o crivo de Jesus; liberdade para congregar com irmãos/ãs que vivem igualmente livres; liberdade para ter voz e usufruir da Fé, assim como da Razão. 
No entanto, aquilo que os batistas são hoje deve ser tributado a uma herança cultural, histórica e teológica que produziu ao longo dos séculos nossa apropriação do mundo. Nossas tradições foram construídas com Bíblia, sim, - nossa hermenêutica- mas com a História. Acompanhamos os séculos se transformarem, e o diálogo nem sempre explícito entre as mentalidades do "mundo" e da religião.  Tomar consciência dos processos seculares que nos trouxeram até onde estamos enriquece a nossa compreensão da liberdade  e denunciam quando ela nos falta.
Teólogos/pastores como Paulo, Agostinho e Lutero, por exemplo, reconheciam suas tradições, porém foram observadores atentos do seu tempo e das necessidades cotidianas das pessoas. Esses grandes homens, não necessariamente santos, leram suas realidades pastorais à luz da Palavra e do seu próprio cronos. Revisitar a Tradição é tarefa constante do teólogo/a/pastor/a, já que é impossível ser pastor/a sem fazer esse movimento dialogal entre a Palavra e a história e entre a Palavra e as necessidades objetivas das pessoas de nossa comunidade de fé que vivem na sociedade brasileira tal qual ela está hoje. Podemos fazer isso consciente ou inconscientemente, com lentes míopes ou potentes, de coração humilde ou arrogante, de forma crítica ou acrítica, a serviço dos outros ou de nós mesmos.
O recente debate sobre a decisão da Ordem do Espírito Santo de não aceitar a filiação de pastoras no estado, pode ser bem elucidativo do quanto estamos experientes ou inexperientes no diálogo que caracteriza a democracia em sua plenitude. O que aconteceu na assembleia, segundo a narrativa dos irmãos presentes, foi democrático. E eu concordo. A decisão da assembleia nacional que delegou as secções a discussão e votação sobre a filiação de pastoras provocou o cenário em que vivemos e que, em última instância, é democrático, mesmo que não seja, em primeira instância, dialogal.
O cenário é positivo na medida em que a instituição OPBB deseja se alinhar às decisões e vivências das igrejas que já experimentam a realidade do ministério pastoral exercido por mulheres. Se nossas instituições são servas da Igreja, então, a decisão nacional e as decisões estaduais favoráveis cumprem bem esse alinhamento. E as que não, mesmo que de forma não unânime, mesmo que em suas paróquias possuam pastoras, vivem a democracia Batista. E, obviamente, evidenciam nossa diversidade. E liberdade.
Ora, o lugar da OPBB na legitimação do ministério pastoral é acessório. Essa, inclusive, é nossa tradição no tratamento das vocações pastorais. Quem legitima, ratifica e realiza o trânsito do ministério pastoral batista, seja de homens ou mulheres, é a igreja. Talvez pudéssemos informar e educar nossas comunidades no espírito dos primeiros pais e mães no que diz respeito a tradição vocacional e a consagração ao ministério pastoral entre nós. Mesmo hoje não existem ministérios pastorais que não tenham passado em algum momento pelo crivo da igreja, mesmo tendo seus vocacionados curso teológico, carteira da Ordem e indicação firme de amigos. Tanto é verdade que o número de pastores batistas é superior ao número de filiados. 
É claro que a filiação à OPBB torna os processos de ordenação feminina mais tranquilos, mas não mais legítimos. Daí não haver necessidade da criação de uma Ordem de Pastoras, pois a legitimidade vocacional é anterior a filiação. E, afinal, porque já temos uma organização de Pastores que, até onde sei, não é um sindicato, mas é, em tese, um agrupamento fraterno. Seus filiados devem continuar lutando para sê-lo. As pastoras desejarem fazer parte desse agrupamento é legítimo, já que ele é uma tradição e busca a fraternidade dos pares. Não deve causar nenhum estranhamento aos colegas esse desejo, embora cause. Por fim, o que estamos assistindo nacionalmente é o ajustamento gradual de uma realidade eclesial batista. Não a sua unanimidade. 
Onde a filiação acontecer, a fraternidade será plena, pois a honra dos ministérios pastorais femininos ou masculinos é de Deus e não da Tradição, do ponto de vista paulino. A honra das vocações pastorais nas mulheres deve ser dada a Deus e não a pessoas, tradições ou, como pensam alguns poucos, a Satanás. No entanto, como já disse em outro momento, a realização da vontade de Deus acontece com a cooperação ou assentimento da vontade humana e tanto a Palavra, quanto a nossa própria vida dá exemplos fartos. O fato de parecer novo não quer dizer que não é vontade divina, pois nem sempre fazemos aquilo que Deus deseja de nós. O que é novo em termos históricos pode ser eterno no escopo da vontade divina.
A pergunta realizada na lista de pastores batistas sobre quem abrigará as pastoras é oportuna para o termômetro da nossa capacidade dialogal. A resposta é hierárquica, mas consumada: 1.as igrejas Batista, 2. As instituições denominacionais como um todo; 3. A Ordem dos Pastores em suas secções favoráveis, por enquanto.
Tem sido um caminho árduo, mas estamos caminhando mais rápido do que imaginei há quase 16 anos. Ainda não é o cenário possível. Ainda precisamos ganhar experiência no diálogo. Ainda devemos considerar com atenção crítica nossa liberdade.  Ainda devemos nos movimentar em direção à fraternidade possível. Ainda precisamos tomar consciência das influências culturais e históricas dos nossos discursos e escolher, pela via da liberdade e do diálogo, aquilo que promove a vida e os encontros. Seria bom para todos!


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Ao meu lado, não!


Uma das experiências de convívio humano mais corriqueira, e extraordinária ao mesmo tempo, é sentar-se à mesa para comer junto com outras pessoas. Por que é extraordinária ? Bem, porque quando o fazemos, partilhamos nosso tempo, nossa presença, a comida, entre outras ricas formas de estar junto. Na atual forma de viver, refeições em conjunto e à mesa são cada vez mais raras. E perdemos muito de nós mesmos com isso!
A primeira imagem evocada quando falamos sobre sentar-se junto à mesa, deve ser a das reuniões familiares. Nem sempre cordiais, mas sempre muito elucidativa das relações desenvolvidas. Outros podem pensar na reunião de amigos, com mais espaço para a diversão e a leveza. Ou ainda, podemos pensar na grande mesa do Senhor, posta nas celebrações cristãs da Eucaristia.
A mesa da ceia é a mais extraordinária das mesas possíveis. Por tudo que ela inaugura e significa ao longo dos séculos, mas, sobretudo, pela atualidade desafiadora de sua composição. Na configuração dos convivas proposta pelas pessoas, sentam-se ao redor da mesa gente conhecida, com as quais temos afinidades de algum tipo. Se há alguém desagradável, simplesmente nem é convidado ou, se for, fica o mais a margem possível de tudo e todos.
A mesa posta na direção do Senhor Jesus Cristo revela uma importância pessoal. Ele a queria muito. Queria  aquele tempo com os discípulos. O momento não era o melhor, na verdade, era o pior momento. Mas Ele fazia questão de vivê-lo com aquelas pessoas. Alguém deve pensar que, então, só havia amigos queridos ao redor. Na verdade, não. Daí o desafio pessoal constante  em nossa caminhada,  imposta por essa mesa.  Jesus disse: "Eu garanto a vocês: um de vocês vai me trair. É alguém que come comigo." Mc 14, 17, ss Apesar da inquietação geral depois dessa revelação objetiva, todos continuaram sentados lado a lado. Inclusive, Jesus. O evangelho de João narra como Ele lavou os pés de todos, sem exceção.
Coerente com um Mestre que afirmou: se amamos nossos amigos, fazemos algo natural. No entanto, estamos convidados a fazer coisas um pouco mais extraordinárias!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Onde estão as nossas Rutes ?



Quem lida com as questões envolvendo gênero sabe que em casos de violência doméstica, por exemplo, quando a mulher agredida verbaliza ou toma uma atitude pública, há muitos comentários femininos que menosprezam a atitude da mulher ou justificam a agressão sofrida com frases sexistas do tipo: "Ah, ela deve gostar! ", "Alguma coisa ela fez pra merecer isso, etc" .
Em cada faceta da experiência feminina no mundo, como o papel de cidadã, mãe, filha, esposa, namorada, profissional, religiosa, entre outras maneiras de estar, há momentos em que será preciso transgredir alguma ordem social vigente, pois a sociedade ocidental, em particular, foi forjada na experiência cultural, política e religiosa do patriarcalismo cuja mensagem mais audível é a afirmação de que os homens são superiores em tudo e, por isso, detém a supremacia sobre tudo: lugares, títulos, honras, dinheiro, desejos, vocações, ideias e corpos.

Também é notório que quando nosso olhar fica mais sensível às questões de gênero, é espantoso perceber que muitas mulheres "concordam" com essa visão de mundo e das relações, reproduzindo-as na criação de meninos e meninas ou deixando-a transparecer na ausência de identificação com outras mulheres em situações de violência ou exclusão, real ou simbólica.
Intuo que esse comportamento talvez seja resultado de uma atitude cotidiana de negação da existência da opressão feminina a qual ela mesma sofre. Quantas senhoras casadas não precisaram blindar suas emoções, silenciar a tal ponto de não conseguir mais nomear o vivido? Daí a dificuldade, inclusive, de reconhecer a existência da desigualdade ou reportá-la ao desejo divino do "sempre foi assim".
Não existe nada mais doloroso para nós mulheres que pensamos a desigualdade ou a sofremos com consciência dela, a falta de solidariedade de outras mulheres para conosco. 

Não endosso o discurso de vitimização, mas reconheço que existem vítimas.

A história de Noemi é bastante conhecida e tremendamente atual na descrição de uma tragédia familiar. Fome, seca, doença, questões com as quais Noemi e seu povo tinham que lidar. Na busca por melhores condições de vida, migrou. Lá ela viu, um a um, os homens de sua vida, esposo e filhos, morrerem. Pobre, mulher, velha, sem um homem que a protegesse e sustentasse, a tragédia seria a sua "natural" sina. Por solidariedade, ela desobriga suas noras de seguí-la. Ela sabe muito bem o que a espera. Por que selar o destino de suas noras?

Rute, embora jovem, sabia exatamente como era o mundo em que vivia. Os únicos elementos de diferenciação na existência dela e de sua sogra, eram a religião e a etnia. Rute tomou uma decisão difícil, arriscada, corajosa, fraterna. Rute devolveu a solidariedade de Noemi para com ela, colocando-se no mesmo caminho, pois, para ela, não haveria outra forma de continuar em frente se não ao lado de Noemi. Não sei se nessa história antiga, parte integrante de uma narrativa vétero testamentária tribal, Rute poderia ter consciência de que Noemi teria mais chance ao seu lado, justamente por ela ser jovem. Não importa. O importante é que, de fato, somente na solidariedade das mulheres com elas mesmas, em um grande esforço de sororidade, é que a vida das mulheres poderá deixar de protagonizar coletivamente destinos trágicos.
Esta solidariedade de Rute precisa ser revisitada.  Já há muitos censores e opressores sobre nós para que,  entre nós mesmas,  caminhemos resistindo sozinhas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Alguém acredita mesmo que iremos queimar no fogo do inferno ?



Relacionamentos humanos são muito complexos e mediados pela cultura. Mas quando vivemos em um determinado grupo humano, esperamos que todos tenham, de alguma forma, entendido os contratos sociais vigentes.
Entre os cristãos (católicos,  protestantes e evangélicos) há uma "regra" básica a respeito do relacionamento interpessoal. Se fazemos parte da comunidade de fé, somos irmãos. Ao nos filiarmos a uma congregação e, por consequência, a uma denominação, nos tornamos todos fráteres. Até onde sei, a única condição realmente válida para tal relação é aceitar a Salvação ofertada por Deus, através de Jesus Cristo. Após a conversão, espera-se compromisso ético, crescimento espiritual e participação ativa no Reino.
Toda vez que alguma coisa diferente da tradição que abraçamos aparece, sempre tem um grupo de pessoas que reage negativamente. Com uma lista de argumentos, inclusive bíblicos, fazem de tudo para evitar a mudança, recorrendo ao recurso da heresia, entre outras atitudes.
Como leitora  de textos, posts que falam sobre a presença de mulheres no ministério pastoral batista, fico sempre - e é sempre mesmo- com uma desconfiança: se o escriba por detrás de textos tão pejorativos a essas mulheres em ministério, a ponto de encomendá-las a Satanás, acredita mesmo que eu e outras mães, esposas, filhas, crentes em Jesus Cristo, iremos queimar no fogo do inferno ?
Não sei de nenhuma pastora que tenha abjurado de sua fé em Jesus Cristo. Não sei de nenhuma pastora que não pregue as Escrituras e que não as conheça. Todas elas vivem e trabalham com a igreja de Jesus Cristo. Caso nossa conversão não seja genuína, Deus tratará conosco individualmente, pois é Ele quem conhece nossas entranhas e é na mão Dele que está a Salvação.
Mas digamos que sim. Eles acreditam ! Não merecemos, pelo menos, o tratamento fraterno ?

sábado, 24 de janeiro de 2015

95ª assembleia da CBB: torres X pontes



Desde a época dos primeiros homens, segundo o texto bíblico, as pessoas sonhavam em construir torres que alcançassem o céu. Metáfora com excesso de sentido, a preferência e a avidez pela construção de monumentos como  esse  podem significar o desejo humano de superação da divindade, o autoelogio pelo engenho humano, a afirmação do poder, etc. Construções verticais podem fazer jus a habilidade humana, mas nunca foram muito boas para aproximar pessoas. Na verdade, a torre exclui, segmenta. É sectária, por excelência. Projeto recorrente fadado ao fracasso, mesmo sendo sinal de sucesso e luxo nos encastelamentos reais e simbólicos.



Por outro lado, as pontes são belamente horizontais, literal e metaforicamente. Encurta distâncias, minimiza perigos, aproxima, convida à circulação, ao trânsito de pessoas. Construir pontes exige habilidade e engenho, mas seu propósito é sempre benéfico. Possibilitar encontros. Há mais inimigos para a construção de pontes do que de torres, tenho visto.
O tema deste ano da CBB "Integralmente submissos a Cristo" é um convite a pensar em pontes, não em torres. Os lugares altos da caminhada do Cristo foram palcos de insegurança e morte. E seus gestos priorizaram o encontro, a aproximação, as pontes simbólicas do afeto e do interesse pelo outro.
Não é demais falar novamente do que espero desse encontro da irmandade batista. Espero justamente irmandade. Sobretudo na questão da presença das pastoras na reunião da OPBB e nos corredores e plenário da assembleia.
Ano após ano, temos visto avanços, sem dúvida, singelas pontes de madeira sendo construídas. Mas ainda permanece em muitos irmãos o desejo do encastelamento. Construindo torres em estilo clássico , esquecendo da irmandade que nos coloca na mesma posição, ainda que em lados opostos da mesma ponte,
Qual a história que contaremos após a assembleia em Gramado ? Que construímos torres facilmente derrubadas ou que construímos pontes, do jeitinho do Cristo?

diálogo no museu da justiça