quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Ao meu lado, não!


Uma das experiências de convívio humano mais corriqueira, e extraordinária ao mesmo tempo, é sentar-se à mesa para comer junto com outras pessoas. Por que é extraordinária ? Bem, porque quando o fazemos, partilhamos nosso tempo, nossa presença, a comida, entre outras ricas formas de estar junto. Na atual forma de viver, refeições em conjunto e à mesa são cada vez mais raras. E perdemos muito de nós mesmos com isso!
A primeira imagem evocada quando falamos sobre sentar-se junto à mesa, deve ser a das reuniões familiares. Nem sempre cordiais, mas sempre muito elucidativa das relações desenvolvidas. Outros podem pensar na reunião de amigos, com mais espaço para a diversão e a leveza. Ou ainda, podemos pensar na grande mesa do Senhor, posta nas celebrações cristãs da Eucaristia.
A mesa da ceia é a mais extraordinária das mesas possíveis. Por tudo que ela inaugura e significa ao longo dos séculos, mas, sobretudo, pela atualidade desafiadora de sua composição. Na configuração dos convivas proposta pelas pessoas, sentam-se ao redor da mesa gente conhecida, com as quais temos afinidades de algum tipo. Se há alguém desagradável, simplesmente nem é convidado ou, se for, fica o mais a margem possível de tudo e todos.
A mesa posta na direção do Senhor Jesus Cristo revela uma importância pessoal. Ele a queria muito. Queria  aquele tempo com os discípulos. O momento não era o melhor, na verdade, era o pior momento. Mas Ele fazia questão de vivê-lo com aquelas pessoas. Alguém deve pensar que, então, só havia amigos queridos ao redor. Na verdade, não. Daí o desafio pessoal constante  em nossa caminhada,  imposta por essa mesa.  Jesus disse: "Eu garanto a vocês: um de vocês vai me trair. É alguém que come comigo." Mc 14, 17, ss Apesar da inquietação geral depois dessa revelação objetiva, todos continuaram sentados lado a lado. Inclusive, Jesus. O evangelho de João narra como Ele lavou os pés de todos, sem exceção.
Coerente com um Mestre que afirmou: se amamos nossos amigos, fazemos algo natural. No entanto, estamos convidados a fazer coisas um pouco mais extraordinárias!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Onde estão as nossas Rutes ?



Quem lida com as questões envolvendo gênero sabe que em casos de violência doméstica, por exemplo, quando a mulher agredida verbaliza ou toma uma atitude pública, há muitos comentários femininos que menosprezam a atitude da mulher ou justificam a agressão sofrida com frases sexistas do tipo: "Ah, ela deve gostar! ", "Alguma coisa ela fez pra merecer isso, etc" .
Em cada faceta da experiência feminina no mundo, como o papel de cidadã, mãe, filha, esposa, namorada, profissional, religiosa, entre outras maneiras de estar, há momentos em que será preciso transgredir alguma ordem social vigente, pois a sociedade ocidental, em particular, foi forjada na experiência cultural, política e religiosa do patriarcalismo cuja mensagem mais audível é a afirmação de que os homens são superiores em tudo e, por isso, detém a supremacia sobre tudo: lugares, títulos, honras, dinheiro, desejos, vocações, ideias e corpos.

Também é notório que quando nosso olhar fica mais sensível às questões de gênero, é espantoso perceber que muitas mulheres "concordam" com essa visão de mundo e das relações, reproduzindo-as na criação de meninos e meninas ou deixando-a transparecer na ausência de identificação com outras mulheres em situações de violência ou exclusão, real ou simbólica.
Intuo que esse comportamento talvez seja resultado de uma atitude cotidiana de negação da existência da opressão feminina a qual ela mesma sofre. Quantas senhoras casadas não precisaram blindar suas emoções, silenciar a tal ponto de não conseguir mais nomear o vivido? Daí a dificuldade, inclusive, de reconhecer a existência da desigualdade ou reportá-la ao desejo divino do "sempre foi assim".
Não existe nada mais doloroso para nós mulheres que pensamos a desigualdade ou a sofremos com consciência dela, a falta de solidariedade de outras mulheres para conosco. 

Não endosso o discurso de vitimização, mas reconheço que existem vítimas.

A história de Noemi é bastante conhecida e tremendamente atual na descrição de uma tragédia familiar. Fome, seca, doença, questões com as quais Noemi e seu povo tinham que lidar. Na busca por melhores condições de vida, migrou. Lá ela viu, um a um, os homens de sua vida, esposo e filhos, morrerem. Pobre, mulher, velha, sem um homem que a protegesse e sustentasse, a tragédia seria a sua "natural" sina. Por solidariedade, ela desobriga suas noras de seguí-la. Ela sabe muito bem o que a espera. Por que selar o destino de suas noras?

Rute, embora jovem, sabia exatamente como era o mundo em que vivia. Os únicos elementos de diferenciação na existência dela e de sua sogra, eram a religião e a etnia. Rute tomou uma decisão difícil, arriscada, corajosa, fraterna. Rute devolveu a solidariedade de Noemi para com ela, colocando-se no mesmo caminho, pois, para ela, não haveria outra forma de continuar em frente se não ao lado de Noemi. Não sei se nessa história antiga, parte integrante de uma narrativa vétero testamentária tribal, Rute poderia ter consciência de que Noemi teria mais chance ao seu lado, justamente por ela ser jovem. Não importa. O importante é que, de fato, somente na solidariedade das mulheres com elas mesmas, em um grande esforço de sororidade, é que a vida das mulheres poderá deixar de protagonizar coletivamente destinos trágicos.
Esta solidariedade de Rute precisa ser revisitada.  Já há muitos censores e opressores sobre nós para que,  entre nós mesmas,  caminhemos resistindo sozinhas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Alguém acredita mesmo que iremos queimar no fogo do inferno ?



Relacionamentos humanos são muito complexos e mediados pela cultura. Mas quando vivemos em um determinado grupo humano, esperamos que todos tenham, de alguma forma, entendido os contratos sociais vigentes.
Entre os cristãos (católicos,  protestantes e evangélicos) há uma "regra" básica a respeito do relacionamento interpessoal. Se fazemos parte da comunidade de fé, somos irmãos. Ao nos filiarmos a uma congregação e, por consequência, a uma denominação, nos tornamos todos fráteres. Até onde sei, a única condição realmente válida para tal relação é aceitar a Salvação ofertada por Deus, através de Jesus Cristo. Após a conversão, espera-se compromisso ético, crescimento espiritual e participação ativa no Reino.
Toda vez que alguma coisa diferente da tradição que abraçamos aparece, sempre tem um grupo de pessoas que reage negativamente. Com uma lista de argumentos, inclusive bíblicos, fazem de tudo para evitar a mudança, recorrendo ao recurso da heresia, entre outras atitudes.
Como leitora  de textos, posts que falam sobre a presença de mulheres no ministério pastoral batista, fico sempre - e é sempre mesmo- com uma desconfiança: se o escriba por detrás de textos tão pejorativos a essas mulheres em ministério, a ponto de encomendá-las a Satanás, acredita mesmo que eu e outras mães, esposas, filhas, crentes em Jesus Cristo, iremos queimar no fogo do inferno ?
Não sei de nenhuma pastora que tenha abjurado de sua fé em Jesus Cristo. Não sei de nenhuma pastora que não pregue as Escrituras e que não as conheça. Todas elas vivem e trabalham com a igreja de Jesus Cristo. Caso nossa conversão não seja genuína, Deus tratará conosco individualmente, pois é Ele quem conhece nossas entranhas e é na mão Dele que está a Salvação.
Mas digamos que sim. Eles acreditam ! Não merecemos, pelo menos, o tratamento fraterno ?

diálogo no museu da justiça