Não é um bom momento
para falar sobre política no Brasil. Todos estamos, aparentemente, com os
nervos à flor da pele, defendendo bandeiras de lá e de cá, aproveitando ou não
oportunidades para ser a voz da razão e/ou da espiritualidade em um cenário de
caos produzido e controlado. Contudo, é possível perceber, como diria Edgar
Morin, que pela primeira vez na história temos um destino em comum, como
humanidade. Estamos conectados em tudo, em especial, nos aspectos do pensamento
e da cultura. Somos uma sociedade conectada. O atual cenário político-social
brasileiro afeta todas as dimensões da vida individual e coletiva de alguma
forma. Por mais que algumas vezes tentemos negar que o conteúdo do nosso
discurso tem a marca dessas conexões, elas atravessam nossas falas e posturas
diante dos fatos.
O quanto estamos, como
religiosos, conscientes dessa realidade de que tudo está conectado e nos afecta,
é difícil dizer. Mas colhemos os resultados desse fenômeno a curto, médio ou
longo prazo em seus desdobramentos. Uma decisão aparentemente “inocente” pode
ter um efeito cascata que vai do coletivo para o individual e do público para o
privado. Decisões que soam bem e razoáveis à primeira vista podem se transformar
em um canto das sereias, ou dos sereios,
doce no início, mas, inevitavelmente, fatal. Daí a natureza da grande
responsabilidade de quem toma decisões para o coletivo. Apesar de um
conhecimento limitado ou de uma ignorância voluntária da realidade, há
resultados que dirão respeito ao nosso cotidiano, que podem controlar nossas
experiencias e a forma como vivemos. É assustador pensar nisso!
Que algumas decisões
institucionais ou coletivas podem modificar a nossa vida. A nossa vida! Para melhor
ou para pior.
O cenário maior com
o qual nos conectamos enquanto religiosos diz respeito a uma onda
ultraconservadora. Alguém diria, que ótimo! No entanto, essa onda costuma
recuar em conquistas fundamentais de grupos não-hegemônicos, isto é, grupos
comumente ausentes na distribuição de privilégios e direitos e que, após um
tempo de luta e organização, conquista estes privilégios e direitos. Movimentos
ultraconservadores são os que, em geral, desejam retroceder a um tempo no
passado no qual suas posições privilegiadas não estavam sob disputa ou
compartilhadas de alguma forma.
Pensando nesse
momento no ambiente da religião, em especial, da nossa denominação batista, um
nervo parece exposto com a possibilidade de atrapalhar a caminhada pessoal e
coletiva. Uma espécie de refluxo ultraconservador, na esteira do que acontece
em outras áreas na contemporaneidade. Não é a primeira vez na nossa história
denominacional, em nossas terras ou em outras terras americanas, que experiências
pessoais com Deus, vivências litúrgicas, formas de organização eclesial,
composição étnica da membresia, atualização cultural, seja na presença de
instrumentos considerados em um tempo profanos em outros não, seja nas
vestimentas pertinentes para homens e mulheres, entre outras questões de
costumes e acordos culturais, até a ocupação de ministérios ordenados, como a diaconia,
por exemplo, ficam sob o clivo decisório de um colegiado institucionalizado de
certos pastores.
Retomando o texto “Um
falso Reino”, que inicia essa reflexão preparatória para a 98ª assembleia da
CBB, o problema se instala- e preocupa- quando este colegiado projeta um Reino cujo
Senhor não está presente. Menos piedosamente falando, um Reino fake que, inclusive, descarta os
processos históricos libertários que identificam a nossa forma batista de viver
a fé, assentada sobre o pilar de Jesus de Nazaré, é claro, mas também sobre o
pilar da soberania e autonomia da igreja local e sobre o livre exercício dos ministérios
no corpo, que é a igreja. Esta forma libertaria é resultante de um processo
histórico sangrento, sob luta e sob o signo da resistência a poderes
hegemônicos. Não é saudável esquecer que o que somos é fruto desta resistência
dentro do próprio cristianismo.
É preocupante,
portanto, que o desejo de reformar documentos enseje a oportunidade de recuo
nos direitos ou nos ideais do Reino de Deus que norteiam nossa identidade
batista.
continua
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